quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Sargento sempre sargento.

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Sargento sempre sargento.



Chama todo mundo de safado para que possa um dia representar. Responder com um sorriso estampado no rosto, no dia que assim for chamado. Sabe muito bem que não vai poder revidar, quando chegar o dia que o chamarem de safado. Pelo simples fato de assim denominar muitos que não satisfazem as suas cobranças e exigências. Uma teoria da psicologia diz que somos espelhos, e refletimos em outras pessoas aquilo que somos. Optou pela vida militar mais cômoda e mais safada.

Em um dia distante ele chegou do interior a uma cidade grande. Supostamente deve ter chegado tal como faz, e diz em algumas piadas: a mala era um saco e o cadeado era um nó. Hoje continua fazendo nós e carregando sacos e fardos atados, para lá e para cá. Sempre disse que santo de casa não faz milagres, e ele não fez. Viveu por muitos anos na cidade grande e continuou na cidade do interior. No popular saiu do interior e o interior continua nele.

Na cidade grande em que chegou sem pai e sem mãe, adotou a pátria como mãe e o governo como pai, e a marinha foi a sua madrinha.  Primeiro viveu com a mesada do pai, hoje vive com a mesada da madrinha. Sua madrinha lhe dá algum dinheiro e uma assistência médica básica. Assiste no noticiário todos os dias o quão corrupto foi e tem sido o seu pai.

Tentou por varias vezes na vida trabalhar. E continua tentando. Tentou criar coelhos no terreno do vizinho e não deu certo; depois tentou criar galinhas no seu terreno próprio e também não deu certo; tentou acompanhar e investir em uma tecnologia da cidade grande em residências, de pisos em madeira cobertos com acrílicos e sintéticos, e também não deu certo.  Com um terreno rural adquirido nem tentou, plantar ou criar. Hoje tenta em um terreno alheio, repetir as criações que não deram certo antes. Repete os bichos que criou e tenta criar outros bichos. Com tarefas semanais e quinzenais divide a produção com os donos do imóvel rural. 

Produções agrícolas e produtos beneficiados, transformados em outros produtos, são entregues em um serviço porta a porta. Sem a necessidade de o latifundiário sujar as mãos com estrovengas e forrageiras, despolpadeiras, secadoras e seladoras. Sem necessidade de gasto com combustível, para até o empreendimento rural chegar.

Adotou o genro como símbolo do cidadão civil bem sucedido. Quem não é militar e não trabalha como seu genro, é um vagabundo, um acomodado, ou um safado. Ele e seu genro são filhos do mesmo pai, encontrou no genro um irmão, sem mãe. O símbolo de um dos trabalhadores no texto bíblico atualizado, o coletor de impostos. De à Cesar o que é de Cesar. E quem sabe assim como Cesar, o sargento de nossa história não consegue sucesso em seus negócios, já que Cesar nasceu antes que a natureza o determinasse como pronto.

Com a mesada que sua madrinha atualmente lhe dá, acha e acredita que tem o necessário e suficiente para diariamente tomar uma ou duas cervejas; de sentar em frente a uma televisão e cochilar, para ver o mundo lá fora passar. Entende que durante a vida já deu sua cota de trabalho, e acredita ser o bem sucedido, capaz de se sustentar. Com madrinha é fácil achar.

O símbolo do homem bem sucedido: trabalhou, chegou a casa, abriu uma cerveja e ligou a televisão. Olha a TV e dá risadas até que lhe chamem para jantar, com direito a comida quente e mesa posta. Quando o assunto é bom ou a piada é boa na TV, tem o direito que a mesa posta aguarde, a ele ou a um comercial. Nada como tudo sempre igual. Nos acampamentos do quartel aprendeu a comer enlatados e liofilizados, diante da TV consome os programas enlatados, nacionais e importados, até que o corneteiro toque a hora do rancho.

Não atingiu um conhecimento para entender que seu pai nunca trabalhou. Ele o seu pai, apenas ao longo dos anos vem se apropriando do dinheiro dos que trabalham. Dos valores de quem produz, com siglas plantadas e implantadas: IR, IPI, ICMS. ICM, ISS, IPTU. IPVA e etc. 

Com impostos e taxas seu pai conseguiu dinheiro para lhe dar uma mesada enquanto estava aquartelado. O sargento marchou, olhou para frente e só olhou para os lados quando assim foi ordenado. Passou a vida marcando passo, aguardando um novo comando. Hoje como não esta mais no quartel, continua em forma, marchando em direção às mesmas missões, já tentadas e não realizadas. 

No quartel entrou como recruta, foi da equipe da faina, desenterrou e limpou ossinhos de cachorro e chegou a sargento. Trabalhou em cantinas e lavanderias. De soldado foi a cabo e atingiu ao posto de terceiro sargento, depois segundo sargento, e chegou a primeiro sargento. Foi denominado como suboficial, mas continuou a ser sargento. Foi para a reserva com divisas nos braços. Um suboficial não é quase um oficial, continuou lotado no alojamento dos suboficiais e sargentos. 

A única missão maior que tem hoje é estar vivo, até que o governo supremo de ordens de fora de forma ou debandar. Vendeu seu corpo, e sua alma caso o governo ou a pátria deles necessitassem. Uma necessidade que pudesse garantir seus espaços de domínio e apropriação, de novos soldados e novas conquistas. 

O sargento diz que se necessário for, e oportunidade tiver, pisa no pescoço de quem estiver morrendo. Assim como a Terra e um carrossel, o mundo dá voltas. Um dia é diferente do outro, uma noite é diferente da outra e não sabemos o que acontecera na próxima volta.
Uma vez sargento, é sempre sargento.

29/01/15

Sargento sempre sargento.

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